Jair Bolsonaro, ex-presidente da República • Gustavo Moreno/STF
TRF-4 condena Bolsonaro por falas racistas contra população negra
Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente da República, foi condenado nesta terça-feira (16 de setembro de 2025) a pagar R$ 1 milhão em indenização por danos morais coletivos após decretos, declarações e intervenções públicas em 2021 nas quais comparou o cabelo black power de um apoiador negro a “criadouro de baratas”. A decisão unânime da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) também obriga a União a arcar com o mesmo valor, além de exigir que o vídeo com as falas ofensivas seja removido das redes sociais e que Bolsonaro se retrate publicamente perante a população negra.
A ação civil pública foi proposta em 2021 pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União (DPU). Os autores afirmam que as falas de Bolsonaro ultrapassaram os limites de mero discurso ou piada de mau gosto, configurando racismo recreativo — expressão usada no voto do desembargador relator Rogério Favreto para designar ofensas disfarçadas de humor.
Entre os episódios citados:
- Em 4 de maio de 2021, Bolsonaro perguntou ao apoiador de cabelo crespo: “o que cria nessa cabeleira aí?” .
- Dois dias depois, em 6 de maio, comentou: “Tô vendo uma barata aqui
- Em 8 de julho, em transmissão ao vivo (“live”), comparou o cabelo black power do apoiador a um “criadouro de baratas”, além de fazer piada com piolhos, sugerindo que, se usasse ivermectina, “mataria todos os seus piolhos
A defesa de Bolsonaro alegou que se tratavam de expressões isoladas e sem intenção de discriminar, que a pessoa ofendida não se sentiu lesionada e que o contexto era de humor. Contudo, o TRF-4 entendeu que essas falas não são irrelevantes para a coletividade, pois atingem a honra, dignidade e reforçam estereótipos contra pessoas negras, configurando dano moral coletivo.
A sentença determina que:
- Bolsonaro e a União devem pagar R$ 1 milhão cada por danos morais coletivos.
- Retirada do vídeo com as declarações ofensivas das redes sociais ou de qualquer canal sob responsabilidade do ex-presidente.
- Retratação pública dirigida à população negra, que deve ocorrer por meio de veículos de imprensa com abrangência nacional e redes sociais
A decisão tem relevância por diversos motivos:
- Estabelece precedente no combate a discursos públicos de discriminação racial praticados por figuras públicas de alta visibilidade.
- Reforça entendimento jurídico de que expressões ofensivas disfarçadas de humor — chamadas no voto de racismo recreativo — não podem ser protegidas pela liberdade de expressão quando ferem a dignidade humana.
- Sinaliza para órgãos públicos, redes sociais e plataformas de mídia que será exigida responsabilização do conteúdo que reforce estereótipos racistas.
A condenação foi tomada por unanimidade no TRF-4, presidido pelo relator Rogério Favreto, com acompanhamento dos demais desembargadores da turma.
Limitações e possibilidade de recursos
- A ação é de caráter cível, portanto a condenação não implica em pena criminal. Bolsonaro não foi condenado criminalmente por racismo neste caso.
- A decisão pode ser objeto de recurso às instâncias superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF), dependendo dos fundamentos apresentados pela defesa.
- O ex-presidente já havia sido absolvido em primeira instância, com base no entendimento de que não haveria dano coletivo, entendimento reformado pelo TRF-4.
Para a população negra, esta decisão representa reconhecimento judicial de que ofensas baseadas em características físicas e culturais — como o cabelo crespo ou black power — têm impacto além do indivíduo diretamente exposto. Ferem memórias históricas de discriminação estrutural, estigmas e desigualdade racial.
Medidas como retratação pública e retirada de conteúdo discriminatório tornam-se mecanismos de reparação simbólica, além da reparação material via indenização. Além disso, essa sentença pode incentivar outras ações civis públicas voltadas ao enfrentamento do racismo no discurso político ou público.
O TRF-4, ao condenar Jair Bolsonaro e a União a indenizar em R$ 1 milhão cada por danos morais coletivos decorrentes de falas racistas, firmou um marco importante de responsabilização legal por discurso discriminatório. Essa decisão muda o debate sobre liberdades de expressão versus respeito à dignidade de populações historicamente marginalizadas, como a população negra no Brasil. A retirada de conteúdo ofensivo e a retratação pública reforçam que, mesmo sob argumento de humor ou “brincadeira”, falas que associam características de negros a sujeira, insetos ou pragas são juridicamente inaceitáveis.
Junior Flávio – OPZ Play